A partir do momento que o teste de gravidez mostra o resultado positivo, muita coisa começa a mudar no corpo e na vida da mulher. Conforme a barriga vai crescendo e a notícia do bebê se espalhando, boa parte das conversas com amigos, familiares e até colegas de trabalho são sobre essa fase. Palpites e considerações sobre o tamanho da barriga, as mudanças hormonais e tantos outros pontos chegam sem avisar. “De quantos meses você está?”, “E aí, menino ou menina?”, “Já sabe qual nome vai ter?”
As grávidas na pandemia, no entanto, não tiveram essa troca. Muitas sentiram falta desse momento, de poder contar sobre as evoluções e os planos durante o cafezinho no ambiente de trabalho. Já outras acharam bastante positivo serem tratadas pelos colegas de função ou chefes exatamente como antes da gravidez. Como é o caso da Sarah Kessler, editora do The New York Times. Em sua coluna no jornal, ela contou: “No começo, quando me sentia enjoada, vomitava no meu próprio banheiro. Os biscoitos salgados tornaram-se um companheiro constante, mas permaneceram fora de vista da minha câmera do Zoom. Alguns meses depois, troquei o jeans pela legging sem nenhum comentário de meus colegas de trabalho.”

O corpo inchado e as mudanças de vida não são vistas nas reuniões online, o que permite que se vá direto ao ponto aos assuntos que realmente importam. Fato tão curioso e fora do habitual com as gestantes no ambiente profissional, que a editora comparou sua gravidez com o anúncio de um homem que se tornaria pai: “Eu não escondi intencionalmente minha gravidez da maioria dos meus colegas. Só não aparecia com frequência. O que, imagino, é como as coisas costumam funcionar para os futuros pais, cujos corpos não demonstram que tem um filho a caminho, sendo possível compartilhar a notícia da chegada de uma criança com colegas próximos, mas omiti-la nas reuniões com o cliente”, disse.
Pega leve, ela está grávida…
Outro ponto positivo levantado por ela – e que muitas gestantes sentem na pele – é sobre as ajudas aparentemente muito bem intencionadas no trabalho, como projetos sem grandes desafios para não forçar demais a gestante, mas que no fundo contribuem para que a mulher se sinta menos capaz por estar grávida.
De acordo com a pesquisa Maternidade e Mercado de Trabalho, realizada em 2019 pelo portal Vagas.com, 52% das 837 profissionais consultadas disseram já terem vivenciado alguma situação constrangedora na empresa ao contar sobre a gravidez ou sair de licença-maternidade. Mesmo com legislação que proíbe esse tipo de discriminação, comentários desagradáveis, falta de empatia e até demissão estão entre as principais reclamações das mulheres que participaram da pesquisa.
Como tudo na vida, a possibilidade de home office trouxe muitos prós e contras. Para Lea Federman, headhunter na Heidrick & Struggles Inc, com a oportunidade do trabalho remoto, um grande marco da pandemia, veio também a flexibilização, objeto de desejo das grávidas e das mães, que podem ir “encaixando a vida” entre as demandas do trabalho. “Até a pandemia, ninguém aqui da empresa trabalhava em home office, ninguém mesmo. Nem os sócios. Da noite para o dia a empresa comprou notebook para todo mundo e colocou as pessoas em casa”, conta.
Das mulheres com filhos pequenos que foram entrevistadas pela especialista ao longo desses dois anos de pandemia, a maioria só topou participar de processos seletivos se o formato de trabalho fosse híbrido. “Não queremos mais abrir mão de acompanhar de perto o crescimento dos nossos filhos. E, por outro lado, com essa oportunidade que foi acelerada pela pandemia, estamos colocando na ponta do lápis se realmente compensa aceitar um cargo que vai demandar mais horas da escolinha, contratação de babá, entre outros custos”, diz a headhunter.

E se, por uma lado, as evoluções da gravidez podem ser ocultadas dos colegas de trabalho, quem já tem crianças pequenas em casa experimentou reuniões interrompidas por elas e passou a entender que não se dissocia o profissional do pessoal. “Meu chefe, que fica em Chicago, gravou um vídeo na casa dele e os filhos todos correndo ao fundo. Ele fez questão de mostrar que não é uma pessoa engravatada em 100% do tempo e que não precisamos esconder que temos vida pessoal. Esse comportamento gera identificação e atinge a todos da equipe. Diariamente, meu filho chega em casa e vem me dar um beijo enquanto estou numa reunião. Isso cria uma humanidade e conexão, o que é incrível também para o trabalho”, conta Lea.

Falta de pertencimento
Ainda não há pesquisas sendo divulgadas, mostrando o mapeamento da experiência das gestantes em relação ao trabalho remoto durante a pandemia no Brasil. Para Camila Antunes, cofundadora da consultoria Filhos no Currículo, o que mais se vê durante as conversas e consultorias nas empresas, incluindo esse público das gestantes, é muita dúvida, angústia e uma sensação de falta de pertencimento. “Não é raro eu ouvir depoimentos do tipo: “Ninguém viu minha barriga crescer”, então aquele momento do cafezinho, onde trocavam ideias, comemoravam a espera dessa criança e acompanhavam as evoluções da barriga simplesmente não aconteceram. Por um lado, houve o sentimento de falta de compreensão em relação a tudo o que essa pessoa estava vivendo. Por outro, um sentimento de gratidão das gestantes por poderem ser poupadas, fazerem pausas necessárias dentro de casa, por exemplo”, conta a consultora.

De volta à empresa
O saldo disso tudo é positivo, principalmente, no pós-parto: durante a gestação houve a possibilidade de um equilíbrio maior e, por ficarem muito tempo em casa, muitas empresas estão entendendo que a retomada é mais benéfica se acontece de maneira gradual. Estudo feito com mais de 1.500 pais e mães pela Filhos no Currículo, em parceria com o Movimento Mulher 360, sobre o que é um ambiente de trabalho pró-família, mostrou que a fase do retorno da licença é a fase mais delicada da jornada. “Um em cada quatro entrevistados demonstraram sentir algum nível de falta de acolhimento, sendo o período de maior percepção negativa, comparando desde a espera do bebê até o retorno da licença. Isso porque essa pessoa que volta, volta diferente. E considerando o cenário de pandemia, com gestantes que passaram a gravidez inteira isoladas, esse período ficou ainda mais longo”, conta.
A recomendação de Camila para as empresas é que cuidem desse retorno para que seja acolhedor, com a liderança preparada para receber essa mulher, com um plano de reintegração, de forma que ela se sinta pertencente novamente ao ambiente. “E o que tem ajudado muito também, que é uma boa prática das organizações, é um retorno gradual, mais flexível, para que a mudança não seja brusca, de um dia para o outro”, finaliza a especialista.
A nossa torcida e esperança é ter cada vez mais empresas que entendam que nem a gestação e nem a primeira infância são impeditivos para a carreira da mulher. E que a flexibilidade não seja um troféu pelo bom desempenho de algumas mulheres em suas empresas, mas que seja uma possibilidade para que possamos crescer enquanto sociedade. E certamente os benefícios serão vistos também na produtividade e nos números das empresas, afinal, já está mais do que comprovado que pessoas felizes entregam o seu melhor no trabalho também!

Trabalhando grávida, de casa, conquistei o maior reconhecimento da minha carreira
Quando a pandemia começou eu tinha acabado de descobrir a gravidez e fiquei bem assustada porque naquele momento não se falava muito sobre as recomendações para as grávidas. Eu segui fazendo reportagens na rua, como se nada estivesse acontecendo. Não sabíamos quase nada sobre o vírus, não havia recomendação de usar máscaras ou álcool em gel ou do distanciamento social. Lembro que entrevistei o médico que estava cuidando do primeiro brasileiro infectado com Covid, e ainda nos cumprimentamos com um aperto de mão. Aquilo me deixou cismada a ponto de não tocar em mais nada até conseguir lavar as mãos! A cada dia que passava, novas informações surgiam e veio a preocupação de estar grávida e ter contato com tanta gente na rua, o que me fez anunciar a gestação antes mesmo das 12 semanas, passando a trabalhar em home office.
Infelizmente a gestação resultou numa perda, mas segui no trabalho remoto e meses depois engravidei novamente, dessa vez uma gestação que se desenvolveu bem até o nascimento de Martina. Como repórter, a essência do meu trabalho sempre foi ir até as pessoas e os locais onde as coisas estavam acontecendo e, de repente, me vi enclausurada. Como ficaria o meu trabalho? Precisei achar uma alternativa e resolvi trazer pautas desse universo de quem estava vivendo o isolamento. Trouxe abertura para falar sobre gravidez, filhos, saúde mental, maternidade. Fui uma repórter mais produtiva do que nunca! Trabalhando de casa, coloquei no ar mais de 340 entrevistas sobre os temas mais diversos e que, normalmente, não teriam espaço no jornalismo das notícias em tempo real. E as pessoas gostavam de ver minhas reportagens. Elas esperavam a minha participação! Então, ficou como lição que podemos experimentar outras maneiras de fazer as coisas e dar importância a assuntos pouco falados. O reconhecimento do público, conquistado por essa fase do meu trabalho, foi maior do que eu tive em qualquer momento da minha carreira. E olha que são 16 anos de reportagem só em São Paulo! Meses depois, inclusive com a ausência nas telas durante a licença-maternidade, ainda me falam nas ruas e nas redes sociais de reportagens que marcaram nessa época.
E como gestante, foi muito bom estar em casa. Gravidez não é doença, obviamente, mas também não é um estado normal, que permita fazer tudo como as outras pessoas estão fazendo, porque há demandas específicas. Estamos fabricando os órgãos daquele bebê que cresce ali dentro de nós. Não é pouca coisa, não! E graças ao trabalho remoto eu pude cuidar melhor de mim – tive diabetes gestacional nessa gravidez e na do meu primeiro filho, Vicente -, sem ter que dar tanta satisfação de tudo o que estava acontecendo comigo naquele momento e seguindo meu ritmo. Também não precisei ficar provando a todo momento que não deixaria de dar conta das demandas porque estava grávida.
Um dos momentos mais emocionantes de estar grávida na pandemia foi quando os colegas de trabalho fizeram um chá de fraldas virtual. Ali eu desabei porque me dei conta que não tive o aconchego das pessoas e ficou claro o quanto aquela gestação tinha sido diferente da do meu primeiro filho. Bateu também a melancolia de saber que era a última vez que eu estaria grávida e ninguém estava me vendo naquele momento de vida. Então, se fosse colocar numa balança, o saldo de ter ficado grávida na pandemia foi positivo.
Natalia Ariede, 40 anos, mãe do Vicente, 4, e da Martina, 1, repórter da Rede Globo.

O saldo do trabalho remoto não foi positivo para mim
“Meu filho caçula nasceu quatro meses após o Brasil entrar em isolamento por conta da Covid. Tenho uma marca de roupas femininas e nosso ateliê funcionava de forma presencial. Confesso que não vi benefícios no home office, pelo contrário: o processo se tornou difícil devido à distração de ter que trabalhar com as crianças por perto. Reconheço que não sou eficiente fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo e amo poder separar a Débora empresária da Débora mãe e, assim, me dedicar de forma integral ao dever do momento.
Também senti bastante falta da presença dos meus familiares em um momento tão especial para mim, e foi bastante desafiador ter de lidar com algo tão lindo dentro de mim, diante de tanta insegurança e dor do lado de fora. Isso, sem dúvida alguma, me tornou um ser humano mais resiliente. Com o fim do isolamento, a vida foi voltando ao normal e a empresa já está funcionando de forma totalmente presencial novamente e com um crescimento significativo pós-pandemia.”
Débora Mangabeira Jordão, 36 anos, mãe de Valentin, 4, e Bento, 1, estilista e empresária na @deboramangabeira

Gravidez mais tranquila graças ao home office
“Quatro meses depois de ser decretada a pandemia eu engravidei. Na época, meu trabalho era presencial em escritório, de segunda a sexta-feira, em horário comercial, porém eu viajava muito para fazer reuniões em vários estados com outras equipes, então era uma rotina bastante puxada. Logo que descobri a gravidez, fui direcionada ao trabalho remoto. Foi muito positivo estar em casa porque pude descansar mais, mesmo cumprindo meu horário normalmente, as reuniões que eu teria que fazer em outros estados, passaram a ser realizadas online e deu super certo. Também foi ótimo poder usar roupas confortáveis, podia comer comida caseira e ficar com minha filha do meio, que tinha 1 ano na época. Claro que senti falta dos amigos mais próximos acompanhando a gestação de perto, mas foi um momento de entender também que o desgaste do trabalho presencial e as viagens que o trabalho exigia me esgotavam muito e poderiam ter impactado negativamente a minha gestação, caso não tivesse a possibilidade do trabalho remoto. Outro ponto que notei é que meu filho é muito mais tranquilo que a minha filha mais velha, que vem de uma gestação onde eu trabalhava muito. E no meu retorno à empresa, também tem sido muito positivo pelo fato de terem adotado o formato híbrido de trabalho: duas vezes por semana no escritório e três em casa. Achei ótimo, pois consigo conciliar o contato com os colegas com a possibilidade de ficar mais próxima dos meus filhos.”
Maria Antonieta Dias Faisal, mãe da Mayra, 23, da Clara, 3, e do Lucas, 1, gerente jurídico da Rede D´Or.

Mais atenção à saúde e um novo modelo de negócios
“Em agosto de 2020 descobri que estava grávida, mas para minha tristeza, em setembro veio a perda gestacional. Eu queria muito ser mãe novamente e resolvi fazer tratamento para engravidar. Não tive sucesso, porém, a vida tinha planos maiores para minha família e em junho de 2021, quando já havia feito a consulta para iniciar o processo de adoção, descobri uma gravidez natural. Nessa época eu havia fechado meu escritório de advocacia físico, e com o início da pandemia e minha filha mais velha sem poder ir para a escola, resolvi migrar totalmente para o digital. Abri uma página jurídica e um Instagram jurídico e comecei a fazer atendimentos online. Mais do que ter descoberto um novo modelo de atuação, também consegui nichar o escritório somente em defesa do consumidor. Com isso, meu faturamento duplicou, já que as demandas desse tipo de serviço também aumentaram durante a pandemia. Peguei toda a demanda de problemas com compras, operadoras de telefonia e inscrições indevidas no Serasa, por exemplo. Além disso, meu custo fixo diminuiu muito. E na vida pessoal, o fato de não ter contato com as opiniões alheias, que muitas vezes são inconvenientes – já ouvi comentários do tipo: “Nossa, com essa idade vai engravidar, que corajosa” -, contribuiu para a minha gestação ser ainda mais maravilhosa. Pude focar na minha saúde física e mental e no que mais importava para mim naquele momento, que era ter uma gestação saudável. Na fase de transição, alguns clientes estranharam e desejavam atendimento presencial, mas com o passar do tempo eles entenderam que a eficiência do trabalho era a mesma e hoje, com uma bebê em casa e uma filha na fase de alfabetização, nem cogito a possibilidade de retornar ao escritório físico. Meu escritório se fortaleceu no meio digital enquanto minha caçula se desenvolveu plenamente. Após 10 dias do nascimento dela eu estava na minha primeira audiência on-line, mais forte e feliz do que nunca!”
Roberta Castro Naufel Valério, 42 anos, mãe da Laura, 6, e da Julia, 3 meses, advogada na @robertaadvogadadoconsumidor

Muitas mudanças e a solidão de não ter com quem compartilhá-las
“Engravidei em dezembro de 2020 e até então trabalhava em uma agência de publicidade. Minha gestação foi muito bem recebida e acolhida pela empresa, e saber que eu poderia ficar em home office por estar grávida foi positivo. Se enjoava, dava para correr na porta ao lado e usar meu próprio banheiro. Dava para esticar as pernas sempre que necessário e com conforto. Cuidar para ter uma alimentação mais equilibrada também foi outro ganho. Porém, por outro lado, viver esse momento tão especial da vida sem a oportunidade de compartilhar a experiência foi um pouco limitador. Não tive outra gestação em uma situação tida como “normal”, mas acredito que deva ser muito gostoso compartilhar com os amigos a evolução da gestação. Acho que gestar na pandemia foi muito solitário, e por mais que a gente tentasse trocar por vídeo chamada, senti falta de contato humano. A minha gestação foi mais intensa porque descobrimos que minha filha tinha uma cardiopatia. Então, teve a rotina de ir mais ao hospital, de fazer um acompanhamento mais de perto. E isso ninguém via também… Ao mesmo tempo, eu não podia prejudicar minhas demandas, então me desdobrei em mil porque não podia deixar de ser eficiente no trabalho. Tive a sorte de ter a meu favor uma chefe que também é uma mãe incrível e que sempre reforçou, pela sua vivência pessoal, a potência que a maternidade traz e como pode, inclusive, somar para o ambiente de trabalho num todo. Não fosse isso, imagino que teria sido bem mais complicado. Também me fez falta ter mais pessoas por perto quando, já no final da gestação, minha bebê ficou pélvica, o que tornaria o parto normal mais difícil de acontecer. E a minha escolha sempre foi por essa via de nascimento. Fiz acupuntura e coloquei em prática todas as táticas para ela ficar na posição favorável para o tão desejado parto normal – funcionou! Mas esse desafio também não pode ser compartilhado como eu gostaria. Não tinha alguém por perto.
Fazendo um paralelo da minha vida antes da pandemia e durante a pandemia na gestação, a grande mudança foi o lance do trabalho online, de estar conectada o tempo todo. Na agência eu tinha hora de entrar e sair. Em casa, toda hora era hora para falar de trabalho. Precisei aprender a gerir melhor meu tempo, fazer enxoval todo online (que maluqueice!), criar redes de apoio e contatos e a valorizar o presencial de qualidade. Já com o fim da licença-maternidade e a possibilidade de voltar a trabalhar fisicamente na agência, confesso que tive muito medo do retorno. Não sabia se daria conta. Minha empresa está em formato híbrido, caminhando para o retorno total, porém eu continuo em home office, indo apenas em momentos pontuais por conta da minha filha demandar mais cuidados e atenção devido à cardiopatia. Gosto muito de continuar em casa perto dela, por outro lado, não nego que as poucas idas ao escritório são como um respiro e oportunidade para pegar um novo “gás”.
Paula Cunha Gudin, 35 anos, mãe da Flora, 9 meses, Head de Criação na agência Suba.
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