Entenda “O que você quer ser quando crescer?” Essa era uma pergunta muito comum – talvez ainda seja – feita às crianças. E a resposta que Natássia Vieira sempre teve na ponta da língua, mesmo sendo ainda muito pequena, era: “bióloga”. Nascida e crescida em São Paulo, ela viajava muito para Ubatuba, Litoral Norte de São Paulo, e adorava ter contato com a natureza, os animais e o mar. Seu sonho, mais especificamente, era ser oceanógrafa. Mas como ela chegou até as células-tronco?

Os anos passaram e a na hora de escolher o curso acadêmico, não havia dúvidas. Natássia conquistou vaga para o curso de biologia nas concorridas Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade de São Paulo (USP). Já no primeiro ano de curso, conseguiu estágio na área de oceanografia.
Durei apenas seis meses lá. Descobri que eu gostava mesmo era de passear na praia
Natássia Vieira
Mal sabia ela, mas sua paixão ficou evidente na área de genética, disciplina que fazia parte do curso. Não demorou muito para ingressar o estágio em genética humana, seguido pela graduação e o doutorado. Tudo dentro da USP. O que ela não imaginava era que da pesquisa acadêmica nasceria a sua própria empresa de tecnologia em células tronco.
Da universidade para o mercado
Há praticamente duas décadas, Natássia e mais dois doutorandos de biologia – Eder e Mariane – ambos pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humana e Células-tronco da USP -, começaram a trabalhar com células tronco num projeto paralelo ao que tocavam e fizeram uma descoberta importantíssima para a ciência, saúde e sociedade: havia mais células mesenquimais (tipo de célula considerada multipotente, com propriedade de autorrenovação e capacidade de diferenciação) no tecido do cordão umbilical do que no sangue. Até então, os bancos só guardavam as células do sangue. O estudo foi orientado por ninguém menos que a geneticista Mayana Zatz, que é referência nacional e internacional na área.
A partir de então, as demandas na USP para armazenar os cordões umbilicais cresceram muito. E foi dessa necessidade que nasceu, há 10 anos, a Stemcorp, empresa de tecnologia em células-tronco. Nesse meio tempo muita coisa aconteceu: Natássia foi convidada para fazer um pós-doutorado em genética humana, em Harvard, Estados Unidos; teve 25 artigos publicados em revistas internacionais, sendo 11 como autor principal; foi a primeira pesquisadora a trabalhar com células-tronco mesenquimais de tecido adiposo no Brasil; e além de células-tronco, é especialista em genética de doenças raras. Em 2015, publicou artigo na renomada revista científica CELL, e em 2017 no PNAS, ambas como primeira autora.
Como as células-tronco podem beneficiar as famílias?
Essa foi a pergunta que fiz para Natássia e ela me explicou que pelo fato das células mesenquimais (encontradas no cordão umbilical e na polpa do dente de leite) terem uma aplicação com plasticidade maior que as células do sangue (as do sangue só podem ser usadas para doenças do sangue), elas podem ser usadas em casos de perda de cartilagem, osso, em queimaduras, entre outras possibilidades. E que mãe ou pai não desejaria ter a oportunidade de poder congelar essas células para usar no futuro, caso a criança precise?
Para solicitar a coleta, basta entrar em contato com a empresa. Ele pode ser feito em dois momentos: ao nascimento do bebê, utilizando o sangue do cordão umbilical, que por ter células muito novas, é considerado o melhor momento; ou, para quem só ficou sabendo da técnica depois, há a possibilidade de extrair as células-troncos da polpa do dente de leite. Nesse último caso, os pais recebem um kit que possibilita até três coletas, para garantir que o dente seja retirado quando ainda tem alguma polpa. Para ser mais assertivo, o ideal é retirar o dente diretamente no dentista quando ele ainda não está tão mole a ponto de ficar pendurado.
Nos bancos de células-tronco mesenquimais há amostras de mais de 20 anos que continuam intactas devido ao processo de super congelamento com nitrogênio líquido, que mantém as mesmas características do momento do congelamento. Os pesquisadores comemoram a resolução da Anvisa aprovada em 2020, que regulamenta o uso terapêutico de células-tronco no Brasil.

Esse é um investimento que se faz assim como quando assina um seguro: paga-se esperando nunca precisar usar. Mas, caso seja necessário, vale dizer que mesmo após o congelamento é possível fazer as células se modificarem e crescerem, sendo possível descongelar e recongeladas, caso precise. Então, mesmo que já tenha sido necessário usar uma vez, é possível recorrer a elas outras vezes, até que tenha células disponíveis.

Quando o assunto é células-tronco, as evidências e evoluções avançam e podem beneficiar ainda muitos outros problemas. Vale lembrar, no entanto, que já vivemos um momento que esse assunto ganhou as manchetes dos jornais e foi muito banalizado, fazendo proliferar o número de pessoas mal-intencionadas, cheias de falsas promessas. “Estar atento às legalizações, técnicas utilizadas e à capacidade da equipe que irá manusear essas células é fundamental. Porque, infelizmente, não é como uma bolsa falsa que você bate o olho e sabe. Hoje quando há necessidade de utilização das células armazenadas na StemCorp, verificamos se o médico sabe fazer a aplicabilidade porque temos testes clínicos que norteiam as melhores práticas”, conta Natássia.