A chegada da minha primeira filha e a estreia na maternidade, Marina, foi muito desejada e planejada sendo que a gravidez aconteceu mais rápido do que eu imaginava. Porém, a gestação foi um grande desafio. Foi muito difícil mesmo porque havia vários diagnósticos muito desfavoráveis e as chances dela nascer com vida eram de 2%. Então, até o momento do nascimento, eu não tinha certeza que tudo correria bem. O parto precisou ser programado e fomos para um hospital que tinha estrutura de UTI Neonatal, porque realmente não sabíamos o que nos esperava. Claro que estávamos felizes com a possibilidade de ter uma filha, mas tudo foi bem tenso.

Há muita demanda pela realização de experimentos, idas aos laboratórios e por aí vai. Nesse movimento do Parent In Science estudamos os impactos disso tudo e fica muito claro o quanto a maternidade é um divisor de águas na vida das mulheres cientistas.
Rossana Soletti
Os impactos de ser mãe na carreira
Quando Marina nasceu eu estava recém contratada como professora pesquisadora numa universidade estadual. A chegada dela impactou bastante a minha carreira. Um ano e meio depois nasceu a segunda filha, Lara. Como boa parte da minha vida era dedicada à minha profissão – fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado – então, senti na pele as mudanças que chegaram com as demandas da maternidade. Até por isso, resolvi fazer parte do movimento Parent In Science, fundado pela Fernanda Staniscuaski, minha amiga e também pesquisadora, para falar sobre o impacto da maternidade nas carreiras de mulheres cientistas.
Na carreira científica não existe um trabalho com horários definidos, especialmente porque temos estudos para ler, congressos para ir, artigos para revisar e prazos curtos. Nunca trabalhamos apenas das 9 às 17 horas. Levo trabalho para casa e acumulo a função de professora com a de pesquisadora. É algo realmente bem denso. E quando se tem filhos, tudo vira de cabeça para baixo. Essa mobilidade acadêmica, que é bem forte na minha área de atuação e inclui, por exemplo, temporadas em laboratórios de outros países, acaba ficando bastante afetada. Fazer isso com bebê ou uma criança é inviável. E eu estou entre as áreas da ciência que são mais impactadas pela chegada de um filho, que é a área da saúde e biologia.
Há muita demanda pela realização de experimentos, idas aos laboratórios e por aí vai. Nesse movimento do Parent In Science estudamos os impactos disso tudo e fica muito claro o quanto a maternidade é um divisor de águas na vida das mulheres cientistas.

Vida pessoal e maternidade
Do lado pessoal também houve muitos impactos: eu era uma pessoa muito ativa, que saia bastante com amigos, fazia esporte. Até a chegada da minha primeira filha eu pensava que não deixaria de fazer nada porque teria um bebê para cuidar. Mas a verdade é que na prática não foi bem assim que aconteceu. Trânsito, segurança, tempo. Você começa a pesar todos os prós e contras de sair com um bebê a tiracolo e a rotina acaba mudando mesmo. Nem tudo o que eu gostaria de fazer eu fiz. Precisei deixar de lado muitas atividades que faziam parte da minha vida antes de ser mãe.

Se eu pudesse ensinar algo para a minha versão pré-mãe é que a maternidade é sim algo muito incrível, indescritível e compensador, mas não é tão romântico como vemos muitas pessoas dizendo. Em geral, essa satisfação pessoal e a responsabilidade social que existe em cima da mulher, assim como a maternidade compulsória, na prática são cheias de sobrecarga materna, noites em claro. Ter isso mais nítido me ajudaria – e ajudaria tantas mulheres – a não criar falsas expectativas. Eu não deixaria de ser mãe por saber disso, mas acredito que tendo conhecimento desses impactos, poderia me planejar ainda melhor para lidar com eles. Vemos muito hoje nas redes sociais, por exemplo, mães que acabaram de ter bebê e já estão plenas, ótimas. Mas não é mostrado que para elas estarem daquela forma, provavelmente, há uma rede de apoio bem grande por trás, o que não é a realidade da maioria das mulheres. Eu gostaria de ter aprendido isso antes de ser mãe.

…a maternidade é sim algo muito incrível, indescritível e compensador, mas não é tão romântico como vemos muitas pessoas dizendo.
E para a Rossana do futuro, daqui uns 10, 20 anos gostaria que o entendimento desses impactos fosse mais normalizados. Por que sim: os filhos vão chegar, e que cheguem para quem deseja, mas que possamos ter ainda mais planejamento. Não apenas individual como também de políticas públicas para mulheres que são mães e profissionais. E, claro, como toda mãe, quero ver minhas filhas bem, com saúde e felizes, sejam quais forem as escolhas que fizerem. Também quero poder retomar alguns desejos que hoje não são possíveis porque minhas filhas ainda são dependentes. Eu amo fazer trilhas, por exemplo, e tenho retomado essa paixão em alguns finais de semana que revezo com meu marido. Ele pedala em um fim de semana e eu faço trilha no outro e, assim, vamos nos dividindo para cuidar das crianças e fazer o que gostamos individualmente. Daqui uns 10 anos eu já conseguirei fazer isso com mais autonomia e, quem sabe, até levá-las para experiências de trilhas maiores, com direito a acampamento e tudo mais!
Rossana Soletti, mãe da Marina e Lara, professora pesquisadora, fundadora do perfil @maternidade.com.ciencia